1. Introdução
A Inteligência Artificial (IA) é um assunto praticamente onipresente no momento, não só na área jurídica, mas devido à sua aplicabilidade, às mais diversas áreas possíveis.
A expansão de ferramentas de IA Generativa desde o último ano, com acesso fácil ao público em geral, fomentou uma série de debates a respeito da relação da IA com direitos autorais.
No Brasil, por exemplo, a propaganda da Volkswagen – “VW Brasil 70: O novo veio de novo” lançada em julho de 2023, que recriou a cantora Elis Regina através de IA, levantou intensos debates não apenas com relação a direitos autorais, mas também com relação a direitos da personalidade, que não serão tratados aqui.
Arquivado pelo CONAR por entender que o comercial não feria o Código de Autorregulamentação Publicitária, a discussão a respeito de uma possível violação é apenas o começo de muitos debates que ainda virão.
Com isto em mente, apresentamos abaixo um panorama sobre questões e decisões a respeito da matéria em diversas frentes e nações que têm capitaneado o debate, que ainda deve se desdobrar por um tempo.
Para isso é importante separar duas frentes da questão. A primeira diz respeito ao output das ferramentas, ou seja, ao produto resultante do uso das IAs Generativas. Estes produtos seriam passíveis de proteção autoral?
A segunda diz respeito ao input de dados ou ao uso indevido de obras protegidas por direitos autorais no treinamento das ferramentas de IA. Seria este uso uma violação de direitos autorais?
2. Output
Hoje temos, de modo geral, que a IA não pode ser detentora de Direitos Autorais. No entanto, há uma série de camadas para chegarmos a este entendimento, que apresentamos a seguir e é melhor examiná-las com casos concretos.
A partir de exemplos práticos, será possível notar que é realmente desafiador encontrar um parâmetro de definição sobre qual seria a quantidade mínima de contribuição humana para que uma obra criada com auxílio de IA generativa possa receber proteção autoral.
a) Cases
Considerando projetos famosos como “The Next Rembrandt”, uma parceria entre Microsoft e o ING ou “A Recent Entrance to Paradise“, do cientista Stephen Thaler, o ponto em comum aqui é a ausência de um elemento humano de autoria.
Da mesma maneira, temos AI-Da, a primeira robô humanoide artista da história, que já integrou inclusive o quadro de palestrantes da TEDx realizada em Oxford, ocasião em que deixou claro que a sua falta de consciência humana não a impede de exercer seu lado criativo.
Estes são casos em que a ausência de interferência humana, conforme as leis e tratados vigentes, impediria hoje a titularidade de direitos autorais a qualquer uma dessas IAs.
No entanto, nem sempre a regra é tão distinta, o que nos leva ao caso da HQ “Zarya of the Dawn” da artista novaiorquina Kris Kashtanova, que fez uso da plataforma Midjourney para gerar as imagens dos quadrinhos.
Em setembro de 2022 Kashtanova solicitou registro ao Escritório de Direitos Autorais Americano (USCO), sem informar sobre a contribuição de um sistema de IA para o processo criativo da obra, e teve o registro autoral concedido.
Em fevereiro de 2023 o USCO revogou parcialmente o registro anteriormente concedido, após ter tomado conhecimento sobre a contribuição da IA generativa para o resultado da história em quadrinhos.
A revogação foi parcial, aliás, porque foi reconhecida a idealização da história em si, sendo afastado somente o registro em relação às imagens, que foram geradas integralmente pelo MidJourney.
A decisão tomou como base a distância entre o prompt da artista e o resultado gerado, restando para o USCO o entendimento que a artista não estava no controle da criação.
Esta posição foi reforçada posteriormente pela conhecida advogada e especialista na área, Jane Gingsburg que, em webinar do USCO em julho deste ano reforçou o seguinte questionamento: “teria a artista comando da criação ou apenas a decisão entre 2 ou 3 imagens mais próximas da intenção inicial?”
b) Regulação internacional
Essa decisão provocou inúmeros debates sobre a necessidade de contribuição humana para as obras geradas com algum grau de envolvimento de IA no processo, o que levou ao USCO em março deste ano a publicar uma diretriz a respeito de registros de obras criadas com o auxílio de IA.
Um aspecto importante trazido por essa diretriz foi a necessidade de intervenção humana no processo de criação de uma obra, para que ela possa ser registrada. A respeito disso, aliás, o documento criado pelo USCO não deixou dúvidas: apenas seres humanos poderão ser considerados autores de obras.
Similar ao posicionamento adotado pelos Estados Unidos, a Comissão Europeia reuniu, ainda em 2020, um grupo multidisciplinar de pesquisadores em IA para que fosse possível chegar a um consenso sobre quais obras deveriam receber proteção autoral, ainda que criadas com o auxílio de IA generativa.
Após inúmeros debates, os estudiosos chegaram a um consenso: para que uma criação seja considerada obra, além do sistema autônomo ter de ser usado como mera ferramenta auxiliadora, quatro etapas precisam ser simultaneamente atendidas, são elas:
(i) A obra tem que ser pertencente ao domínio artístico, científico ou literário;
(ii) A obra tem que ser resultado de um esforço intelectual humano;
(iii) A obra tem que ter originalidade nas três etapas (concepção da ideia, desenvolvimento e no resultado final);
(iv) O resultado final precisa ser intencional, não pode ser mero resultado de decisões autônomas tomadas por sistemas.
Analisando os critérios trazidos, resta clara a noção de que é necessário haver intervenção humana em todo o processo criativo para que uma criação receba proteção autoral e que a distância entre o prompt do usuário e o output da ferramenta já é um critério a ser levado em consideração na salvaguarda de direitos autorais em mais de um território.
3. Input
Não menos intensa é a discussão quando tratamos das obras usadas para treinamento de máquina. Até o momento em que este artigo foi escrito, havia ao menos 3 processos e ações coletivas na justiça americana de autores renomados e sindicatos de autores questionando o uso de materiais protegidos para treinamento do ChatGPT pela OpenAI.
Da mesma maneira há em curso uma ação da plataforma de imagens Getty Images contra a Stability AI que a acusa de usar indevidamente mais de 12 milhões de fotos do Getty para treinar seu sistema de geração de imagens Stable Diffusion AI.
A disputa não é necessariamente nova, considerando o caso do Author’s Guild contra Google Books que, depois de 10 anos de discussão judicial, terminou em decisão das Cortes Americanas em favor do conceito de fair use por entenderem tratar de uso transformativo das obras originais.
Nesta mesma seara, temos o apontamento do Prof. Dr. Luca Schirru que lembra que “um ponto importante sobre mineração de dados (para alimentar as máquinas) é que o objetivo seria extrair padrões e correlações. E padrões de conceitos e ideias não são protegidos por direitos autorais”.
a) Japão
Ao focar a análise da proteção autoral nas obras utilizadas como inputs de treinamento de sistemas de IA generativa, é pertinente trazer o posicionamento do governo japonês, que deixou claro que os direitos autorais não serão obstáculos para o desenvolvimento tecnológico no país.
Isso significa que não existirá violação de direitos autorais caso uma obra seja utilizada para a mineração de dados, decisão tomada pela ministra da tecnologia e endossada pelo parlamento japonês, tratando-se de um posicionamento polêmico considerando os debates conduzidos na maioria dos países.
Por outro lado, o país ainda não se posicionou a respeito dos produtos gerados por estas ferramentas treinadas com material protegido, gerando insegurança jurídica.
4. Conclusão
Enquanto Projetos de Lei tanto na esfera de Direitos Autorais quanto de Inteligência Artificial tramitam no Congresso, é importante ter em mente que países que conseguirem definir mais rapidamente as questões ainda pendentes tanto na esfera de output do usuário quanto do input de dados usados, terão mais segurança para avançar na inovação.
5. Referências
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Mini bio
Ana Carolina Paes de Mello – Advogada. Sócia da PDMLaw. Especialista em Direito Empresarial, Direito Digital. Copyright Law por Harvard/UERJ e membro da Comissão Especial de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artificial da Ordem dos Advogados do Brasil-São Paulo. E-mail: ana@pdmlaw.com.br.
Ana Luisa Ponce Silva – Advogada. Pós-graduanda em Direito Digital pelo ITS-UERJ. E-mail: luisa@pdmlaw.com.br.
Beatriz de Andrade Junque – Advogada. Especialista em Direito Digital e Compliance. Presidente da Comissão de Direito Digital da OAB subseção Indaiatuba/SP. E-mail: beatriz@pdmlaw.com.br.